Ontem, 03/11/2020, o Brasil
assistiu estarrecido ao julgamento de uma moça que foi drogada e estuprada. Mas
não era ela a vítima? Não seria o estuprador o julgado em questão? Sim, era
para ser. Mas não foi.
Mariana Ferrer era Youuber, influencer e
trabalhava promovendo eventos de elite, recepcionando convidados e clientes de casas luxuosas
de “baladas”. Caiu numa verdadeira “arapuca”. Caiu no famoso “boa noite
Cinderela”. Perdeu os sentidos, acordou sozinha, sem a presença de suas
“amigas”, desnorteada, sem lembrar-se de nada, sem saber o que havia ocorrido e
com as roupas cheias de sangue.
Pediu socorro pelo celular para
as “amigas”, que nada fizeram e fingiram “demência”. Pediu socorro para a mãe,
que a princípio esbravejou achando que a filha acabara de tomar o seu primeiro
“porre”. Pediu um Uber. Finalmente chegou em casa.
E quando a mãe foi lhe dar banho,
observou com horror o vestido novinho da filha todo rasgado e cheio de sangue
nas “partes de baixo”. Entendendo aos poucos o que havia acontecido, entrou em
contato com a responsável pela contratação da filha para os eventos. Pediu as
filmagens da casa onde Mariana estava trabalhando. Acionou a polícia.
Mariana foi atendida por homens o
tempo todo. No registro da ocorrência, no exame médico com fotografias de sua
intimidade, tudo.
As “amigas” não notaram nada de
anormal. A casa onde Mariana estava trabalhando alegou que as filmagens haviam
sido perdidas, pois o registro dura apenas quatro dias, sendo que a sua mãe
solicitou as imagens no dia seguinte.
O sêmen do estuprador foi
comprovado por exame de DNA, dentro e fora de Mariana. O rompimento do hímen
foi provado por laudo médio. E enquanto Mariana recebia o tratamento de
coquetel anti DST´s, vomitando, sofrendo tonturas, recebeu a “visita” de um
delegado que simplesmente invadiu o condomínio onde mora para interroga – la.
Sozinha com a irmã mais nova, sequer conseguia entender o que estava
acontecendo, quando o seu pai chegou e atenuou a situação – porque sabemos, um
homem costuma respeitar o outro.
E ontem tivemos o ápice deste
processo. E com a novidade de um precedente jurídico sequer previsto no código
penal brasileiro: ESTUPRO CULPOSO (em tese, estuprou sem a intenção de
estuprar, foi sem querer). Humilhada, atacada, tratada pior do que os piores
assassinos pelo juiz – palavras da própria Mariana – até fotos de divulgação do
seu trabalho foram mostradas mediante comentários inaceitáveis, como “nesta
foto você chupa o dedo”, “nestas fotos vocês está em posição ginecológica”.
Estatísticas apontam que 135
mulheres são estupradas por dia no Brasil. Alguém acredita nisso? Alguém
acredita que SOMENTE 135 mulheres são estupradas no Brasil por dia? Em sã
consciência, quem racionar sob a lógica de que a denunciante torna – se ré,
quantas mulheres não deixam de relatar às autoridades que foram estupradas com
medo de terem o mesmo destino de Mariana?
Afinal, vivemos no país do
“estupra mas não mata”, “só não te estupro porque você não merece”, “em briga
de marido e mulher não se mete a colher”, “tava de mini saia, se exibia toda,
provocava os homens, esperava o quê?”, “estava fazendo o que àquela hora da
noite na rua?”.
Nenhuma mulher está segura. Nem
dentro e nem fora de casa. Nem de mini - saia, nem de saia no tornozelo. Nem de
batom vermelho, nem com a cara lavada.
Precisamos chegar ao cúmulo do
ESTUPRO CULPOSO para uma esmagadora maioria da sociedade brasileira, que
banaliza a violência contra mulher desde 1500, ficar chocada com um caso que
teve repercussão em redes sociais, na televisão, e ainda afrontou o próprio
código penal, redigido por homens. Ah, e ela era virgem. Ah, e ela não bebeu
todas. Ah, e ela estava trabalhando.
E se não fosse virgem? E se
tivesse bebendo todas? E se não estivesse trabalhando? Você justificaria o
estupro?
#justiçaporMariFerrer
#seumachismomata
#estuproculposonãoexiste
Professora Alessandra Fahl Cordeiro Gurgel - Historiadora, Professora de História da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, militante da Apeoesp Subsede Franco da Rocha, do PSOL e da Enfrente!.
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