terça-feira, 27 de abril de 2021

Era só uma merendeira?


_ Mas quando é que as aulas vão voltar ao normal?

​Do outro lado da linha, uma mãe sem smartphone, mãe de um aluno também sem smartphone, sendo cobrada por uma professora, que foi cobrada pela direção da escola, que foi cobrada pela Diretoria de Ensino, que foi cobrada pela Secretaria Estadual de Educação para que todos os alunos usem um aplicativo a fim de realizar as atividades pedagógicas.

_ Olha, nessa situação está bem difícil; a Senhora sabia que a merendeira da escola morreu de Covid-19?

​A informação bateu como uma paulada.

_ Não, eu não sabia, a merendeira morreu?

​Ainda podemos falar em dor? Dor pela morte da merendeira, dor por uma política de deixar morrer, dor por saber que o adolescente não tem como acompanhar o que exigem dele. No mês de abril de 2021, a E.E. Jardim Silvia II, em Francisco Morato/SP, perdeu uma de suas merendeiras para a Covid-19, a tal da “gripe fraca”. Maria Aparecida Diógenes da Silva trabalhava muito e ganhava pouco. Sim, ela tinha nome e sobrenome. Aliás, não só ganhava pouco como também morreu sem receber três meses – isso mesmo – três meses de salários atrasados.

​Por que trabalhou e não recebeu? Pergunta difícil e ao mesmo tempo fácil. Governabilidade. Ah, que palavra! Agora serve para tudo o que é injustiça. A empresa contratada pelo governo, a licitação, o pagamento, a Secretaria da Educação, a escola, a Diretoria de Ensino. Ninguém tem culpa. Ninguém tem nada. Então, não tem governabilidade para resolver.

​Quem já trabalhou em cozinha industrial ou ao menos prestou atenção, deve ter percebido ou conheceu de perto o que é cozinhar em grande escala. Não é fazer um arroz em casa. É lidar com panelas enormes, sofrer queimaduras, arear panelas acabando com as articulações das mãos, dos braços e dos ombros. É a responsabilidade de servir algo extremamente limpo para que ninguém passe mal. É não servir malpassado, nem com pouco nem com muito sal.

​Serviço mal pago. Terceirizado. Contrato precário. Direitos trabalhistas mandaram lembranças. Reconhecimento? Ah, mas é só fazer a comida, lavar a louça, limpar o chão e mais nada. Como se isso não fosse o bastante.

​Cida. Quantas “Cidas” perdemos até agora para uma política que mata de fome, de doença, de falta de vacina, de falta de hospital, de falta de oxigênio? E quantas ainda vamos perder? Calados ou gritando o grito que deve ser gritado?

​Maria Aparecida Diógenes da Silva, a nossa Cida, era um ser humano. Carregava história de vida, sentimentos, emoções, aspirações. Dores e amores. Era humana, como nós. E morreu como estatística. Para o sistema é simples. Coloca outra no lugar para cozinhar. Mas não para nós. Ela não virou estatística. Podemos e devemos nos recusar a aceitar isso.

​Maria Aparecida Diógenes da Silva, presente!

 

​“Cozinhar é o mais privado e arriscado ato.

​No alimento se coloca ternura ou ódio.

​Na panela se verte tempero ou veneno.

​Cozinhar não é serviço.

​Cozinhar é um modo de amar os outros.”

​(Mia Couto)

 



​*Texto de Alessandra Fahl Cordeiro Gurgel. 

Professora de História na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, autora do livro "Numa tarde de neblina", militante da Apeoesp Franco da Rocha e da Enfrente! 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Toda nossa solidariedade aos que sofrem com a perseguição política!

 

Nos últimos anos temos visto inúmeras lideranças e manifestações políticas serem reprimidas e ultrajadas pelos que se apossaram do Estado brasileiro, e a crise humanitária pela qual passamos se torna a cada dia mais insuportável para os trabalhadores e trabalhadoras de todos os lugares, idades e segmentos. As classes dominantes se vêem incapazes de administrar a crise que criaram e enfiaram garganta abaixo da nação e, por conta disto, para assegurarem que seus interesses não sejam abalados, recorrem a um gradual avanço do cerco reacionário sob as organizações oposicionistas ao seu projeto nefasto.

Desde o golpe parlamentar de 2016, acumulam-se numerosos casos de perseguição política em nosso país, que com o estabelecimento do atual governo proto-fascista obtiveram um ganho qualitativo bastante expressivo. Prisões arbitrárias, listas com nomes de potenciais inimigos, marchas pedindo golpe militar e grupos que ameaçam invadir hospitais e prédios oficiais são algumas das coisas lamentáveis vistas nos últimos tempos, além do ressurgimento do resquício ditatorial que é a Lei de Segurança Nacional a qual vem sendo usada pelo governo atual de forma despótica para atingir seus opositores, atingindo desde “youtubers” a militantes de diversas causas contrárias à agenda conservadora e autoritária que se instaurou no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro.

Citemos como exemplos, a prisão do ex-presidente Lula, maior exemplo recente deste crescente autoritarismo, que sofreu um processo notadamente criminoso e que acabou sendo desmontado e reconsiderado pelo judiciário brasileiro devido às suas próprias contradições. Temos também o caso infame que atingiu o companheiro Aldo Santos, presidente do PSOL em São Bernardo do Campo, que foi condenado em 2018 a perda de direitos políticos e a pagar indenizações ao Estado brasileiro por conta de sua defesa da Ocupação Santo Dias em 2003, quando era vereador pelo PT na cidade.

Recentemente tivemos também o caso da prisão do ecossocialista Thiago Á’vila durante o despejo de famílias em uma ocupação em Brasília, como também a de integrantes do PT, enquadrados na Lei de Segurança Nacional por estenderem faixas com os dizeres “Bolsonaro Genocida” na Praça dos Três Poderes. Na semana passada Guilherme Boulos, que há pouco tempo fora intimado com demais integrantes do MTST, como o companheiro Anderson Dalécio, de terem “invadido” o apartamento triplex do Guarujá pelo qual Lula havia sido condenado, foi enquadradotambém pela LSN, acusado de ameaçar o presidente em uma publicação no Twitter a cerca de um ano atrás, quando rebateu uma fala autoritária de Bolsonaro, fazendo-o lembrardo destino que tivera a dinastia absolutista de Luís XIV na França revolucionária da época.

 A política de terra arrasada imposta por este (des) governo tem o apoio do latifúndio, das corporações midiáticas e financeiras, revela uma elite mesquinha que convive muito bem com a destruição do país e de seu povo. Não podemos negligenciar o fato de que o governo de Bolsonaro não terá pudor na sua tentativa de impor ao país um Estado de exceção ditatorial, com o incessante crescimento da miséria social, econômica e a política genocida despejada sobre as costas da população, o que nos leva a crer que um levante das massas será inevitável e é apenas uma questão de tempo para que ocorra, pois se torna cada vez mais uma necessidade para a própria sobrevivência do povo.

Toda nossa solidariedade aos que estão sendo perseguidos por causa de suas convicções e pela sua luta em defesa da justiça social, da democracia e da dignidade humana!

Enfrente!